Há pouco mais de 10 anos, "Águas de Março" foi eleita, em uma enquete realizada pela "Folha de S. Paulo" com 214 músicos, jornalistas e produtores culturais, como a melhor canção na história da música popular brasileira.
Diretor de "Vidas Secas" (1964) e "Memórias do Cárcere" (1984), Nelson construiu o filme apenas com apresentações musicais retiradas de imagens de arquivo, sem narração ou entrevistas. No fim, usa uma frase do próprio Tom para explicar essa opção: "a linguagem musical fala por si".
Assiste-se ao documentário como se estivéssemos em um show dos sonhos, no qual dividem o mesmo palco Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Agostinho dos Santos e Diana Krall -- para citar apenas alguns dos intérpretes de diversas nacionalidades e gerações que visitaram o repertório de Tom em algum momento de suas carreiras.
Em São Paulo, o filme é exibido neste momento em quatro salas, todas com ótima média de público. O boca-a-boca tem contribuído para isso, sobretudo entre espectadores com mais de 40 anos, que foram contemporâneos de Tom e de muitos dos intérpretes que aparecem na grade do documentário.
Para essa turma (na qual me incluo), "A Música Segundo Tom Jobim" não evoca apenas a obra de um compositor notável. Relembra também um Brasil, no fim dos anos 1950 e início dos 1960, que sonhava com uma espécie de desenvolvimento em que a cultura exerceria papel fundamental, inclusive na divulgação do país no exterior.
O desenvolvimento econômico veio, ainda que atrasado, mas fica a impressão de que não foi acompanhado pela contrapartida cultural, ao menos na dimensão que se esperava. A oportunidade de estender o debate sobre o tema virá em breve com o lançamento de dois documentários sobre a Tropicália, outro sobre Jorge Mautner e mais um sobre Rogério Sganzerla.
Em um deles, Caetano Veloso canta para a plateia de um festival: "Vocês não entenderam nada, absolutamente nada!". Essa nova onda de documentários sugere que talvez não seja tarde para tentar compreender melhor o que a efervescência cultural dos anos 1960 nos legou.
A escolha gerou polêmica. De acordo com alguns pesquisadores, Tom Jobim (1927-1994) teria se apropriado de uma canção folclórica sem citar a fonte (leia aqui reportagem sobre o caso assinada pelos jornalistas Pedro Alexandre Sanches, colega de Ultrapop, e Lúcio Ribeiro).
A grandeza da música brasileira é tamanha que parece mesmo temerário eleger "o melhor" isso ou aquilo. Denúncias de plágio ou dúvidas sobre autenticidade apenas expõem algumas das dificuldades inerentes à comparação entre gêneros, estilos, períodos e artistas muito distintos.
Lembro o episódio, no entanto, porque a célebre gravação de "Águas de Março" por Tom e Elis Regina (1945-1982) corresponde a um dos grandes momentos do documentário "A Música Segundo Tom Jobim", de Nelson Pereira dos Santos, já em cartaz nos cinemas.
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