RELOGIO

quinta-feira, 13 de abril de 2017

O maior de todos os barulhos é o silêncio. Enquanto as palavras verbalizadas nos falam sobre muitas questões, o silêncio nos faz pensar naquilo  que deveria ser dito e não foi. E é para nos preocuparmos quando isto ocorre.
As discussões, e o confronto de idéias são saudáveis  na medida que resolvem assuntos pendentes - desde que isso ocorra de modo civilizado. 
Entretanto, o silêncio é exatamente aquilo que o seu interlocutor pensa a respeito de determinado assunto, mas por algum motivo não quer verbalizar. 
Não devemos perder tempo pensando no que foi dito, mas aquilo que foi omitido através do silêncio. A verdade encontra-se neste ponto da conversa. No momento em que ocorre o silêncio, encerra-se aquilo que deveríamos de fato saber. 
Uma guerra certamente é evitada, mas até quando?
Em um dado momento, a sujeira debaixo do tapete começará aparecer. 






A vida estava muito tranquila e eu apenas observava toda calmaria sem questionar. Tentava entender como as peças haviam se encaixado de forma tão perfeita.
Guardei nos meus porões  pessoas que definitivamente não poderia ver, e os sentimentos mais profundos. 
Estava  realizada emocionalmente e não conseguia admitir que aparências enganam. Quando nos olhamos pelo aveso, percebemos que enganar a si mesmo é algo degradante. Devemos nos ver com os olhos da alma.
Até que um dia eu abri os meus porões - antes eu apenas espiava, não tinha o ímpeto de entrar. Eu ensaiava o dia que finalmente abriria aquelas portas tão cinzentas e sombrias.
Achei que não havia nada mais a esconder -  e que minha vida estava muito diferente de tudo que já vivi.
Mas a maldita chave estava na fechadura! E  naquele dia não me contive. Lentamente girei aquela coisa enferrujada - causou -me asco tocar naquilo, porque no fundo sabia o que representava aquele objeto. A simbologia da chave é algo tão profundo. E eu estava ciente das consequências daquele ato.
E foi então que empurrei a densa  porta, que mais parecia a de um castelo medieval. O silencio daquele compartimento, era extremante barulhento em minha alma.
 Quando vi as pessoas que lá estavam, assustei-me. Apesar de inúmeras vezes ter descido naquele porão, jamais consegui entrar. Eu apenas espiava pela fechadura. Sentia-me aliviada por não consegui ver ao certo quem e o que estavam lá dentro.
Foi um teste, estou certa disso. Eu precisava abrir e me certificar que tudo que estava guardado naquele lugar,  não faria diferença em minha vida.  Que não teria qualquer sentimento que me comovesse  ou que causaria mágoa, ódio, rancor, e principalmente saudade. 
Na verdade, eu quis testar meu equilíbrio  emocional. 
E foi então que girei a chave - trêmula, com coração destemido, pensei que fosse ter uma síncope. Respirei fundo,  e com hesitação perguntei quem e o que, estavam encarcerados  naquele lugar. 
Recordei que muitos estavam presos ali há anos, e eu mesmo havia colocado para não sofrer. Prendi a todos sem sentimento de culpa algum. Apenas queria "me livrar" daquelas pessoas e sentimentos que me faziam meu coração acelerar -  e desse modo,  obrigar-me a mudar radicalmente a minha vida tão pacata.
Nunca me acostumei com este tipo de vida, calmaria realmente é para os fracos. Sou intensa e sempre fui. Nunca me contentei com o pouco. Se é para viver feliz, que seja com o muito. Tudo em demasia. Sinto que meu espírito é tão gigante, intenso, que ele não cabe no meu corpo. Ele sente vontade de fugir e abandonar essa coisa que arrasta tantas correntes pesadas e invisíveis.  Esmolas, esmolas e esmolas...
Sinto-me maravilhada com todas as possibilidades novas. Tenho tanto para viver, sentir, amar - e minha razão e meu corpo me aprisionam profundamente. Eles são castradores,  pois tolhem os meus sentimentos e desejos  mais íntimos. Prefiro ser feliz que ter qualquer tipo de razão.
Senti vontade de me libertar de tudo e de todos aqueles que  não me fazem sentir  frio na barriga. Abandonar o monótono, o cotidiano - perfeitos em uma pessoa amargurada, frustrada e infeliz
O que me move é paixão. Não apaixonar-se é estar quase morto. 
Quando reencontrei aquelas pessoas e sentimentos, percebi que guardei minha felicidade por anos -  que não lutei pela liberdade de vivenciar o verdadeiro amor. 
Eu não queria causar dores em algumas pessoas. Não quis  separar aquilo que já estava separado por meus pensamentos e sentimentos. Não era o fim, mas  a nova vida, o recomeço!
Felizmente não descartei a chave. Recuperei a verdadeira razão, e deixei toda aquela calmaria anestésica para trás.  Prefiro ser louca apaixonada a ser uma infeliz racional.