Esqueça a túnica branca e
as auréolas sobre a cabeça. No Supremo Tribunal Federal (STF), os "anjos
da guarda" dos 11 ministros e do procurador-geral da República vestem
terno, gravata, uma capa de cetim preto que cobre metade das costas e atendem,
informalmente, pelo nome de "capinhas".
Os assistentes de plenário da mais alta corte do
país, vários deles estudantes e outros já bacharéis em Direito, fazem parte de
um restrito grupo, responsável por auxiliar os magistrados e o chefe do
Ministério Público em meio aos julgamentos. Dos 12 capinhas do Supremo, apenas
quatro são servidores. Os demais assessores são terceirizados.
Seus salários oscilam entre R$ 2,5 mil e R$ 11,7 mil por mês, sem
contar as horas extras.
Sentados às costas dos ministros, os assessores ficam de
prontidão para atender os integrantes do tribunal. São eles quem organizam os
livros dos magistrados em pequenas estantes no plenário, carregam documentos e
votos, arquivam memoriais entregues pelas defesas e providenciam cópias de
pareceres e petições.
Também
faz parte do rol de tarefas dos assistentes servir água e café, ajudar a vestir
as togas, entregar bilhetes e, inclusive, puxar as poltronas de couro amarelo
para os magistrados sentarem. A convivência quase diária com os ministros
permite que eles conheçam, como poucos, os gostos e as manias dos juízes da
Suprema Corte. Não raras vezes, os auxiliares reconhecem os pedidos dos chefes
por um gesto ou olhar.
Na maratona de sessões do julgamento dos 38 réus do mensalão, o capinha mais
requisitado é o assistente do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa.
Com um problema crônico no quadril, o magistrado senta e levanta constantemente
para tentar amenizar as dores.
A um simples
sinal dos dedos da mão esquerda do relator, o auxiliar Fábio Júnior, 33 anos,
corre para o tablado do plenário reservado aos ministros. Em movimentos
sincronizados, o capinha puxa a cadeira ergonômica de Barbosa, se agacha para
retirar o suporte de madeira para os pés e busca a poltrona de couro do
magistrado, que costuma ficar estacionada em um canto do recinto.
Barbosa utiliza o assento de uso restrito dos ministros somente como apoio para
ficar em pé. Quando ele cansa da posição, seu capinha se apressa a fazer
novamente os mesmos movimentos, só que em sentido contrário. Fábio repete a
ginástica no plenário de três a cinco vezes por sessão.
Nas poucas oportunidades em que o assistente não está à volta de Barbosa, os
colegas não se esquivam de auxiliar o ministro. Com inúmeras atribuições, os
capinhas se valem da parceria para evitar que colegas sejam repreendidos.
Apesar do esforço, as broncas são inevitáveis.
"Há um enfoque de união entre os assistentes de plenário. Por exemplo, se
alguém esquece de trazer um documento, o colega passa na hora. Invariavelmente,
falta alguma coisa. E sempre que isso acontece, é justamente o material que o
ministro acaba pedindo", conta um assessor do STF.
Segundo assistentes ouvidos pelo G1, os magistrados mais exigentes
da Corte são os ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
O trio costuma ser minucioso com a categoria.
Há 22 anos no Supremo, Marco Aurélio é quem mais cobra disciplina dos capinhas.
O ministro, relatam os assessores de plenário, está sempre atento para
eventuais deslizes, como usar uma veste inadequada ou sentar na cadeira de um
magistrado.
"Procuro guardar a liturgia do cargo, uma certa cerimônia. Sou uma pessoa
muito humana e solidária, principalmente, com os que trabalham comigo. Mas sou
rigoroso com a forma", afirmou Marco Aurélio ao G1.
Há um enfoque
de união entre os assistentes de plenário. Por exemplo, se alguém esquece de
trazer um documento, o colega passa na hora. Invariavelmente, falta alguma
coisa. E sempre que isso acontece, é justamente o material que o ministro acaba
pedindo"
Assessor de um dos ministros do Supremo
Mesmo
preciosista, o ministro é reconhecido pelos capinhas por valorizar seus
subordinados. É o único de que se tem notícia no tribunal que já promoveu dois
assistentes de plenário a chefe de gabinete, incluindo seu atual braço-direito
no STF.
Marco Aurélio diz ser importante dar oportunidades para as “pratas da
casa". "Eles [os capinhas] são a ponte entre o gabinete e o plenário.
Essas promoções foram apenas o resultado da dedicação deles", explicou.
Em outros tempos, lembram os assistentes, o título de magistrado linha dura do
Supremo pertencia ao ex-ministro Carlos Alberto Menezes Direito, morto em 2009
devido a complicações no pâncreas.
Mais antigo capinha em atividade no STF, Cézar Antônio Fortaleza, auxiliar de
plenário do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirma que o Menezes
Direito era "exigente e formal". O assessor atua no plenário da
Suprema Corte há 16 anos.
"Você não podia estar com o paletó aberto que ele chegava e pedia, por
favor, para fechá-lo. O ministro também não gostava que os capinhas retirassem
a toga dos magistrados dentro do plenário. Sempre enfatizava que os ministros
deviam entrar togados e sair togados", destacou o decano dos assistentes.
Outros capinhas recordam que Menezes Direito costumava chamar a atenção dos
auxiliares de plenário que liam livros ou jornais durante as sessões. "O
ministro argumentava que não era o local e o momento adequado", disse um
assessor.
Um auxiliar de plenário, por acidente, derrubou um
copo de’água sobre o colo do ex-ministro Sepúlveda Pertence em plena sessão. O
banho foi tão grande que chegou a ensopar o computador do magistrado.
Trapalhadas no
plenário
Na história recente do Supremo, capinhas protagonizaram episódios que entraram
para o folclore do tribunal. Houve uma vez em que o assistente do então
ministro Eros Grau puxou a cadeira para o magistrado levantar e, em um momento
de distração, não percebeu que o chefe mudou de ideia e resolveu se sentar de
novo. Sem assento, o ministro, que se aposentou em 2010, foi ao chão.
Em outra ocasião, um auxiliar de plenário, por acidente, derrubou um copo
de’água sobre o colo do ex-ministro Sepúlveda Pertence em plena sessão. O banho
foi tão grande que chegou a ensopar o computador do magistrado.
Os documentos que os capinhas transportam dos gabinetes ao plenário também já
geraram confusão. Em certa ocasião, o assistente do ministro Dias Toffoli
entregou o relatório do processo errado para o magistrado ler em plenário. A
falha só foi descoberta no momento em que o advogado do caso advertiu Toffoli
sobre o engano.
Togas em movimento
Nem todos os ministros do Supremo têm paciência para aguardar que os
assistentes de plenário os vistam com a toga, uma capa de cetim preto,
comprida, usada pelos magistrados durante os julgamentos. Para fixá-la e
retirá-la, o assistente tem de atar ou desamarrar duas fitas nas costas do
juiz.
Na última semana, ao ser anunciado o intervalo de uma das sessões da análise do
processo do mensalão, o ministro Antonio Dias Toffoli saiu em disparada para o
salão branco, contíguo ao plenário, com seu capinha a tiracolo, tentando
desvencilhá-lo da vestimenta.
Por outro lado, há os magistrados que ao vestir ou tirar a toga se preocupam
com a estética. Capinhas que conversaram com o G1 revelaram
que muitos ministros salientam para os assessores tomarem cuidado para não
estragar seus penteados ou bater em seus óculos.
LegadoJobim
Presidente do Supremo entre os anos de 2004 e
2006, o ex-ministro Nelson Jobim é reverenciado até hoje pelos capinhas por ter
facilitado a atarefada rotina dos assistentes de plenário. Até então, como não
havia uma cronograma de julgamentos, os auxiliares eram obrigados a carregar
pilhas e pilhas de documentos para se precaver caso um processo fosse colocado
em pauta inesperadamente.
Durante o mandato do magistrado gaúcho, porém, a
Corte implantou uma nova sistemática, passando a disponibilizar na internet os
calendários de julgamento. Os assistentes de plenário brincam que o trabalho da
categoria se divide em antes e depois da gestão Jobim. "Essa medida
facilitou em grande escala o trabalho do assistente de plenário", afirmou
Jackson Alessandro de Andrade, que há oito anos atua como capinha do ministro
Gilmar Mendes.
Já nas duas turmas do Supremo, apesar das
tentativas de se implantar os calendários prévios, até hoje os auxiliares não
sabem quais processos serão julgados nas tardes de terças-feiras, quando
ocorrem os encontros desses colegiados.
Para evitar serem pegos de surpresa, eles montaram
uma rede interna de informações. Quando um assistente fica sabendo que o chefe
irá colocar um processo em pauta, dispara um alerta para os demais colegas
terem tempo de correr atrás de pareceres do Ministério Público e memoriais de
advogados antes do início da sessão. Os documentos subsidiam os magistrados durante os julgamen