“Enquanto eu tiver perguntas e não houver
resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas
acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros
apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato.
Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo.
Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha
vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só
palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao
próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história
deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia
sincopada e estridente — é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há
falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas
nordestinas que andam por aí aos montes.”
Clarice Lispector
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