A vida estava muito tranquila e eu apenas observava toda calmaria sem questionar. Tentava entender como as peças haviam se encaixado de forma tão perfeita.
Guardei nos meus porões pessoas que definitivamente não poderia ver, e os sentimentos mais profundos.
Estava realizada emocionalmente e não conseguia admitir que aparências enganam. Quando nos olhamos pelo aveso, percebemos que enganar a si mesmo é algo degradante. Devemos nos ver com os olhos da alma.
Até que um dia eu abri os meus porões - antes eu apenas espiava, não tinha o ímpeto de entrar. Eu ensaiava o dia que finalmente abriria aquelas portas tão cinzentas e sombrias.
Achei que não havia nada mais a esconder - e que minha vida estava muito diferente de tudo que já vivi.
Mas a maldita chave estava na fechadura! E naquele dia não me contive. Lentamente girei aquela coisa enferrujada - causou -me asco tocar naquilo, porque no fundo sabia o que representava aquele objeto. A simbologia da chave é algo tão profundo. E eu estava ciente das consequências daquele ato.
E foi então que empurrei a densa porta, que mais parecia a de um castelo medieval. O silencio daquele compartimento, era extremante barulhento em minha alma.
Quando vi as pessoas que lá estavam, assustei-me. Apesar de inúmeras vezes ter descido naquele porão, jamais consegui entrar. Eu apenas espiava pela fechadura. Sentia-me aliviada por não consegui ver ao certo quem e o que estavam lá dentro.
Foi um teste, estou certa disso. Eu precisava abrir e me certificar que tudo que estava guardado naquele lugar, não faria diferença em minha vida. Que não teria qualquer sentimento que me comovesse ou que causaria mágoa, ódio, rancor, e principalmente saudade.
Na verdade, eu quis testar meu equilíbrio emocional.
E foi então que girei a chave - trêmula, com coração destemido, pensei que fosse ter uma síncope. Respirei fundo, e com hesitação perguntei quem e o que, estavam encarcerados naquele lugar.
Recordei que muitos estavam presos ali há anos, e eu mesmo havia colocado para não sofrer. Prendi a todos sem sentimento de culpa algum. Apenas queria "me livrar" daquelas pessoas e sentimentos que me faziam meu coração acelerar - e desse modo, obrigar-me a mudar radicalmente a minha vida tão pacata.
Nunca me acostumei com este tipo de vida, calmaria realmente é para os fracos. Sou intensa e sempre fui. Nunca me contentei com o pouco. Se é para viver feliz, que seja com o muito. Tudo em demasia. Sinto que meu espírito é tão gigante, intenso, que ele não cabe no meu corpo. Ele sente vontade de fugir e abandonar essa coisa que arrasta tantas correntes pesadas e invisíveis. Esmolas, esmolas e esmolas...
Sinto-me maravilhada com todas as possibilidades novas. Tenho tanto para viver, sentir, amar - e minha razão e meu corpo me aprisionam profundamente. Eles são castradores, pois tolhem os meus sentimentos e desejos mais íntimos. Prefiro ser feliz que ter qualquer tipo de razão.
Senti vontade de me libertar de tudo e de todos aqueles que não me fazem sentir frio na barriga. Abandonar o monótono, o cotidiano - perfeitos em uma pessoa amargurada, frustrada e infeliz
O que me move é paixão. Não apaixonar-se é estar quase morto.
Quando reencontrei aquelas pessoas e sentimentos, percebi que guardei minha felicidade por anos - que não lutei pela liberdade de vivenciar o verdadeiro amor.
Eu não queria causar dores em algumas pessoas. Não quis separar aquilo que já estava separado por meus pensamentos e sentimentos. Não era o fim, mas a nova vida, o recomeço!
Felizmente não descartei a chave. Recuperei a verdadeira razão, e deixei toda aquela calmaria anestésica para trás. Prefiro ser louca apaixonada a ser uma infeliz racional.
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