Crônica Semanal

Coisas do Brasil

Para uma geração que passou por uma ditadura militar, por inflações estratosféricas, diversas moedas e desvarios econômicos, por décadas de desmandos e corrupção impunes, é quase inacreditável a alegria de ver o ex-senador Luiz Estevão, o Juiz Lalau, e, em breve, Paulo Maluf, devolvendo, juntos, mais de 500 milhões de reais ao Tesouro Nacional. Confesso que jamais imaginei viver esse dia. Ainda mais inacreditável é ver ao vivo na televisão políticos governistas, banqueiros e empresários sendo condenados pelo Supremo Tribunal Federal por caixa 2 e gestão fraudulenta. E o melhor é que as primeiras condenações já bastam para levar vários à cadeia, firmando jurisprudência para condenar os corruptos e corruptores dos mensalões de Minas e de Brasília. Se há 10 anos uma vidente me fizesse essa profecia eu iria embora sem pagar a consulta, às gargalhadas. E a chamaria de louca se falasse de uma Lei da Ficha Limpa, que impediria políticos condenados pela Justiça de disputar eleições. Se um roteirista me apresentasse a história real de Demóstenes e Cachoeira eu desistiria nas primeiras páginas, porque seria inverossímil e cheia de clichês. O triste é que esses eventos tão extraordinários e surpreendentes para nós seriam a norma em qualquer país civilizado e democrático. Em compensação, para as gerações que passaram por tantos dissabores, derrotas e descrenças no Brasil, essas conquistas tem muito mais valor e sabor do que para a geração do meu neto de 16 anos, que já começa a votar em um país democrático, que vai se civilizando aos trancos e barrancos. Não é só o futebol, o Brasil é uma caixinha de surpresas. Mas não consegui explicar a um amigo americano o atual momento brasileiro: se nosso salário mínimo é de 325 dólares e a renda per capita anual de 11 mil dólares, como o custo de vida no Rio e em São Paulo pode ser igual ao da Flórida, que tem renda per capita de 44 mil dólares ? Como os imóveis aqui podem ser mais caros ? Não há teoria econômica, ou esotérica, que explique. Talvez a velha expressão que ouço há sessenta anos, para o bem e para o mal: coisas do Brasil.